23.11.10

Le pas sur le néant.




No mesmo ano em que aqui a manhã acordou com cravos na boca, um pequeno homem  venceu a imposição da gravidade e regressou ao isolamento de um útero, suspenso novamente de um fio. Lá fora, o abismo, o nada. Sobre o frio, a trepidação de uma vida, uma respiração. Às sete da manhã de 7 de Agosto de 1974, Phillippe Petit atravessava o espaço entre as torres do WTC, sobre uma corda bamba, sem rede nem corda de segurança.

Oito anos antes da inauguração, ao ver um projecto das torres na página de uma revista, Phillippe, distraidamente, riscou uma linha unindo o topo de ambas. 



Até ao terceiro passo, o medo tomou-se do equilibrista, ao recordar-se que não tinha verificado o ponto de ancoragem - não lhe fora possível estar no topo das duas torres, antes. Depois do terceiro passo, invadiu-o uma grande alegria. E isso vê-se nas fotografias. A vida toda jogada no gesto de um passo. Um homem no fio. Solitário, a caminhar sobre o mundo. Mais solitário do que a mais solitária das artes - a literatura.

Não se pode atravessar o nada e continuar a caminhar no meio do mundo, incólume. Anos mais tarde, a namorada de Phillippe dirá: “Quando passámos a nossa primeira noite depois da travessia, vi nos seus olhos que ele já não era o mesmo, já não estava mais entre nós – vivia em um outro patamar”.

Como Orpheu. Não podemos fitar o nada e continuar iguais. Mas é preciso provar que ele existe, e, por um momento, de relance, fitá-lo no centro da noite, onde a morte, o desejo e a vida convergem, numa pulsão sanguínea de ser.

Flutuando a 440 metros de altura, novíssimo pássaro, ele reinventa uma forma poética de inscrição.


A meio da travessia, Phillippe deita-se sobre a corda, rosto voltado para o céu. Permaneceu quarenta e cinco minutos entre as torres. A polícia ameaçava puxar uma das extremidades da corda.

Por fim, como quem regressa a casa, com alguns passos, chegou à segunda Torre. A estrutura do belo? Como estrutura, se a casa é a respiração do homem, sem fora?

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