4.12.10

A Civilization gone with the wind...

"There was a land of Cavaliers and Cotton Fields called the Old South. Here in this pretty world Gallantry took its last bow... Here was the last ever to be seen of Knights and their Ladies Fair, of Master and of Slave. Look for it only in books, for it is no more than a dream remembered. A Civilization gone with the wind..."

30.11.10

O tempo em que tínhamos cabeças-de-limão





Mas lá virá a fresca Primavera,
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.

Francisco Rodrigues Lobo


 Não parece que haja muitas razões para ouvir «Ever», dos Lemonheads, como algo mais do que uma canónica punk rock love song. À faixa 11 do álbum Lick, editado em 1989, não falta uma certa monotonia do fundo instrumental, pontuada por inflexões perfeitamente integradas que não impedem a sensação de uma rígida constância rítmica da batida, cuja regularidade cessa apenas com o final da faixa. Atendendo ao contexto em que surge o álbum, e à preponderância de Evan Dando, seria tentador dizer que o baixo-continuum de fundo pouco inovador sustenta indícios de um vocalismo excêntrico, multicromático e explicitamente púbere que prefigura o que será o melhor e o pior dos anos noventa. Prefiro reparar, contudo, na sensibilidade poética da interpretação, bastante clara no respeito pela prosódia dos versos, no cumprimento de ritmos de aceleração e de pausa, na atenção à translineação dos versos, subtilmente sublinhada no prolongamento das sílabas finais de verso acentuadas, numa característica que dominará a década seguinte, mas que aqui se reveste de uma quase ingenuidade que confere ao todo a aura de uma descoberta e de uma experiência, sem anular o vigor que se percebe no ímpeto da execução.

Lá para o fim, Dando lança: «The record asks, "will you still need me when i'm 64?"». Não é fácil imaginar como seremos quando lá chegarmos. É provável que não nos recordemos mais de nós mesmos, e que, olhando para trás, não nos consigamos, já, reconhecer. Talvez o tempo (como o baterista) engula o ritmo da memória, e o que fomos desapareça definitivamente nas dobras do que seremos. Evan Dando conta já com 43. É possível que o galope das baterias e o estertor das cordas convoquem, nessa vertigem, o tempo consumado. Tenho fé na cumplicidade etimológica que aproxima coração (do lat. 'cor') às cordas. E não deixo de pensar no amantíssimo verbo italiano "stringere", para tocar, apertar, e também abraçar fortemente, e a semelhança deste com "strings". Levar o coração às cordas. Dedilhar os lugares do coração como se escrevesse com o sangue. A pulsação frenética de anos que serão puro esquecimento. A pulsação frenética "até que a música esteja à nossa volta", e não haja senão a música na respiração do sangue. O rock é uma viagem à orla da noite sem sono, e «Ever» exsurge na memória de um passado sempre em queda, como o delicado ofício de perder o pé nos acordes soltos no mundo. «But this doesn't ever have to end».

29.11.10


Non ma fille, tu n'iras pas danser,
Chistophe Honoré, FR, 2009 [PT: 09.2010]

"Se te apaixonares pela moda, rapidamente ficarás viúva."

Cromwell

Uma verdadeira Hedda Gabler, esta Chiara Mastroianni tão pós-moderna. Um filme a não perder.

À confiança do Leão Hebreu.

28.11.10

24.11.10

Això és or, xata!


Vampire Weekend
"Horchata"

Pequena nota para a discussão do preço dos livros em Portugal



Fnac.pt: 45,25€ + portes de envio

BookDepository.co.uk: 19,22€

Discuss

To shoot an elephant



de Mohammad Rujailah & Alberto Arce

When I pulled the trigger I did not hear the bang or fell the kick-one never does when a shot goes home-but I heard the devilish roar of glee that went up from the crowd. In that instant, in too short a time, one would have thought, even for the bullet to get there, a mysterious, terrible change had come over the elephant. He neither stirred nor fell, but every line of his body had altered. He looked suddenly stricken, shrunken, immensely old, as though the frightful impact of the bullet had paralyzed him without knocking him down. At last, after what seemed a long time-it might have been five seconds, I dare say-he sagged flabbily to his knees. His mouth slobbered. An enormous senility seemed to have settled upon him. One could have imagined him thousands of years old. I fired again into the same spot. At the second shot he did not collapse but climbed with desperate slowness to his feet and stood weakly upright, with legs sagging and head drooping. I fired a third time. That was the shot that did for him. You could see the agony of it jolt his whole body and knock the last remnant of strength from his legs. But in falling he seemed for a moment to rise, for as his hind legs collapsed beneath him he seemed to tower upwards like a huge rock toppling, his trunk reaching skywards like a tree. He trumpeted, for the first and only time. And then down he came, his belly towards me, with a crash that seemed to shake the ground even where I lay.

George Orwell
from "Shooting an elephant"

23.11.10

Le pas sur le néant.




No mesmo ano em que aqui a manhã acordou com cravos na boca, um pequeno homem  venceu a imposição da gravidade e regressou ao isolamento de um útero, suspenso novamente de um fio. Lá fora, o abismo, o nada. Sobre o frio, a trepidação de uma vida, uma respiração. Às sete da manhã de 7 de Agosto de 1974, Phillippe Petit atravessava o espaço entre as torres do WTC, sobre uma corda bamba, sem rede nem corda de segurança.

Oito anos antes da inauguração, ao ver um projecto das torres na página de uma revista, Phillippe, distraidamente, riscou uma linha unindo o topo de ambas. 



Até ao terceiro passo, o medo tomou-se do equilibrista, ao recordar-se que não tinha verificado o ponto de ancoragem - não lhe fora possível estar no topo das duas torres, antes. Depois do terceiro passo, invadiu-o uma grande alegria. E isso vê-se nas fotografias. A vida toda jogada no gesto de um passo. Um homem no fio. Solitário, a caminhar sobre o mundo. Mais solitário do que a mais solitária das artes - a literatura.

Não se pode atravessar o nada e continuar a caminhar no meio do mundo, incólume. Anos mais tarde, a namorada de Phillippe dirá: “Quando passámos a nossa primeira noite depois da travessia, vi nos seus olhos que ele já não era o mesmo, já não estava mais entre nós – vivia em um outro patamar”.

Como Orpheu. Não podemos fitar o nada e continuar iguais. Mas é preciso provar que ele existe, e, por um momento, de relance, fitá-lo no centro da noite, onde a morte, o desejo e a vida convergem, numa pulsão sanguínea de ser.

Flutuando a 440 metros de altura, novíssimo pássaro, ele reinventa uma forma poética de inscrição.


A meio da travessia, Phillippe deita-se sobre a corda, rosto voltado para o céu. Permaneceu quarenta e cinco minutos entre as torres. A polícia ameaçava puxar uma das extremidades da corda.

Por fim, como quem regressa a casa, com alguns passos, chegou à segunda Torre. A estrutura do belo? Como estrutura, se a casa é a respiração do homem, sem fora?

22.11.10

Willkommen, Aldo the Apache



You probably heard we ain't in the educatin' business; we in the bad literature killin' business. And cousin, business is a-boomin'.

Sobre um ensino de elites: hoje, no Público


Peter Paul Rubens
A educação de Maria de Médicis (1622-1625)


Alguns estabelecimentos de ensino superior público estão a cobrar propinas de mestrado que atingem valores exorbitantes. Por exemplo, fazer uma pós-graduação no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) chega a custar 37 mil euros.
Na Universidade de Coimbra, o valor de propina mais elevado é, para um mestrado de um ano, de 19 mil euros. O PÚBLICO foi tentar perceber o que explica a existência de propinas tão elevadas e se os casos em que os estabelecimentos cobram valores desta importância são pontuais ou se, pelo contrário, tendem a tornar-se um cenário generalizado.
Com a aplicação do processo de Bolonha, as antigas licenciaturas, de quatro ou cinco anos, foram transformadas em licenciaturas de três anos, designadas de 1.º ciclo, e em mestrados, ditos 2.º ciclo, de dois anos.

Tamara Drewe, 2010. Um compasso de pernas desiguais.


 
Baseando-se na crónica homónima do The Guardian, inspirada pela personagem de Thomas Hardy (1840-1928), Tamara Drewe explora os paradoxos mais refinados de pessoas que só querem ser qualquer coisa diferente de si mesmas. Ainda que nessa procura percam a cabeça, ou o nariz. Apesar do enredo um quanto naïve, espicaça com uma ironia certeira as fragilidades e inconsistências de um modelo intelectual de adereços colados a cuspe.

Stephen Frears, UK, 2010.

21.11.10


Há uma linha de terra
e mar na tua boca.

Albano Martins

Well, you know I have a love; a love for everyone I know.



Will Oldham or Bonnie Prince Billy
"I See a Darkness"
I See a Darkness



Johnny Cash (cover)
"I see a darkness"
American III: Solitary Man



images from Koyaanisqatsi (1982)

Acid Pauli (remix)
"I see a darkness"

The Unbearable Lightness of Being

Dois irmãos, filhos de pai e mãe diferentes.

http://www.youtube.com/watch?v=mWO-rpsRpdU

"The heaviest of burdens crushes us, we sink beneath it, it pins us to the ground. But in love poetry of every age, the woman longs to be weighed down by the man's body.The heaviest of burdens is therefore simultaneously an image of life's most intense fulfillment. The heavier the burden, the closer our lives come to the earth, the more real and truthful they become. Conversely, the absolute absence of burden causes man to be lighter than air, to soar into heights, take leave of the earth and his earthly being, and become only half real, his movements as free as they are insignificant. What then shall we choose? Weight or lightness?" Milan Kundera (The Unbearable Lightness of Being)

Hinos para depois do apocalipse



Arcade Fire
"No cars go"
Neon Bible

Clicar AQUI (para desejar ter lá estado).

Calendários Lavazza: de 93 a 2010


Helmut Newton (1993-94)



Albert Watson (1997)

Marino Parisotto (1998)


David LaChapelle (2008)


Finlay MacKay (2009)


Miles Aldridge (2010)

Sobre o direito ao esquecimento. Clareira.



O debate trava-se com garra, lá fora. Como salvaguardar o direito a vermos esquecido aquilo que, em tempos, inserimos na rede global? Como invocar a possibilidade de nos transformarmos, de nos reinventarmos outros, de corrigir os erros do passado, diante desse olho gigante sempre aberto, que nunca dorme nem esquece, que é a www?

Em França, a "loi à l'oubli numérique" (ver também, para uma outra prespectiva, isto aqui), recentemente aprovada, tenta organizar alguns princípios nesta questão. Mas como conservar a integridade da memória como órgão crítico, isto é, selectivo e apaixonado, quando tudo em volta parece cristalizar à velocidade de um clique?

Viveremos em palácios de gelo, aprisionados nas imagens de que nos fizemos rodear, reféns de uma projecção de mim que tem lugar em parte alguma.

Estava a pensar nisto quando encontrei este artigo, «Revelações Azuis», acerca dos anos que se seguiram à morte da companheira de Jorge Guillén, em 1947. Durante vários dias, o escritor ficou fechado no quarto, a reler as cartas que lhe escrevera, ao longo de dezasseis anos de namoro. Algumas, com mais de um quarto de século. Entre o presente e essas cartas, duas guerras, um exílio. E, mais intransponível, a morte da mulher que amou. Imagino o sentimento que o percorreu ao redescobrir-se ali, diante de si mesmo, como o Borges que dá consigo mesmo, décadas mais novo, num passeio pelo parque, e tem a oportunidade singular de travar uma conversa com o jovem que foi. Imagino Guillén a entrar dentro de si, exsurgindo-se na memória, redivivo, de um endereçar-se a outro. Na memória de uma carta a alguém que se ama, como uma ferida íntima, um segredo. Ou nem isso, a sombra de uma ferida, um silêncio. De onde irradia todo o esplendor das coisas.

"- Agora - segredou.
- Aqui não - respondeu ela, também num sussurro. - Vamos para o esconderijo. É mais seguro.
Rapidamente, fazendo estalar um ou outro ramo seco, dirigiram-se de novo para a clareira. Quando se viram no meio do círculo de árvores novas, ela parou e voltou-se para ele. Estavam os dois ofegantes, mas o sorriso voltara a surgir nas comissuras dos lábios de Julia. Ficou por instantes a fitá-lo, depois procurou com os dedos o fecho do fato-macaco. E foi, sim, quase como nos sonhos de Winston. Ela despiu-se praticamente com tanta presteza como ele imaginara, e quando atirou a roupa para o chão foi com aquele gesto magnífico que parecia aniquilar uma civilização inteira. O seu corpo branco cintilava ao sol. Mas só decorridos alguns segundos ele o olhou; tinha os olhos presos àquele rosto sardento, ao leve sorriso atrevido. Ajoelhou diante dela e pegou-lhe nas mãos:
- Já fizeste isto alguma vez?"

George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro.